A recente declaração de Donald Trump, de que usaria o poderio dos Estados Unidos para defender a "liberdade" nos países da América do Sul, incluindo o Brasil, não é apenas retórica eleitoral. Ela resgata uma velha narrativa: a de que a democracia latino-americana precisa ser tutelada por potências externas.
A hipótese de guerra aberta entre Brasil e EUA é praticamente nula. Os custos políticos, diplomáticos e econômicos seriam imensos. Mas os riscos à soberania não estão apenas no campo militar. Eles aparecem em pressões diplomáticas, sanções econômicas, operações de desinformação e tentativas de condicionamento político, formas contemporâneas de intervenção que dispensam tanques e soldados.
A diferença entre os exércitos é gritante. Enquanto os EUA têm orçamento bilionário, arsenal nuclear e capacidade de projeção global, o Brasil mantém forças armadas relevantes regionalmente, mas voltadas à defesa territorial e com atuação restrita ao Atlântico Sul e à Amazônia. Nesse cenário, nossa principal proteção não está no poder bélico, mas na força normativa da Constituição e do Direito Internacional.
A Constituição de 1988 é clara. A soberania é fundamento da República (artigo 1º) e, nas relações internacionais, o Brasil se guia por princípios como a independência nacional, a não intervenção e a defesa da paz (artigo 4º). A guerra só é admitida em casos de agressão estrangeira ou em missões autorizadas pela ONU. Qualquer outra hipótese de tutela externa afronta diretamente a ordem constitucional de 1988.
O Direito Internacional também impõe limites. A Carta da ONU, em seu artigo 2º, veda o uso da força contra a integridade territorial e a independência política dos Estados. Intervenções unilaterais sob o pretexto de "defesa da liberdade" violam o sistema internacional, salvo se legitimadas pelo Conselho de Segurança.
Nesse contexto, países como China e Rússia dificilmente se engajariam em conflito direto com os EUA na América do Sul. Mas certamente apoiariam, ao menos politicamente, a defesa da não intervenção, seja para proteger interesses econômicos, seja para ampliar influência geopolítica. O maior risco para o Brasil e para a região não é um confronto armado, mas a erosão lenta da autonomia.
A verdadeira defesa da liberdade exige instituições sólidas, integração regional e diplomacia ativa. O que está em jogo não é apenas o equilíbrio militar, mas a capacidade do Brasil de afirmar que sua soberania não é objeto de barganha.
Por Francisco Nascimento, professor de Direito Constitucional e Internacional da Estácio.
Fonte: AppRoach
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